Quinta-feira, 19 de Março de 2009

Ele, "perdeu" o pai, por causa duma daquelas doenças da época e a partir daí, foram insuficientes as vezes que o viu ou com ele conviveu, até este falecer, mas ficaram-lhe para sempre as recordações daqueles sete anos duma vivência simples e própria do mundo rural da década de cinquenta.

Depois, sempre com curtas e “distantes” visitas, ouvia atentamente os conselhos do pai e, após cada despedida, com os olhos húmidos das lágrimas contidas, rememorava tudo o que tinha ouvido naquelas tardes das visitas ao sanatório, visitas no jardim, porque não podia entrar, para evitar os contágios.

Todos os seus conselhos lhe atingiam o âmago da sua profunda tristeza, mas que nem num abraço de conforto se poderia refugiar, por mal da doença dele. Dentre os muitos conselhos, um deles “gravou - se -lhe” bem no fundo da sua alma: "Filho, Faz-te Homem, já que eu não posso ajudar-te”.

Atirado bem cedo para a dureza da vida, migrando, José foi “crescendo” e sempre na busca de ser cada vez mais o herdeiro da memória do seu pai, que a doença impediu de realizar uma das tarefas mais sublimes do ser humano, isto é, ser Pai em toda a sua plenitude, mesmo que na partilha da pobreza material, muito característica daquela época.

José, sentia a falta do seu pai, tal como da mãe e dos irmãos, nos bons e nos maus momentos, mas aquele conselho era a sua força interior e a estrela orientadora do seu caminho de solitário, mas sem desvios, em busca duma vida melhor e da sua realização pessoal.

Nas dificuldades, não tinha o pai para o ajudar, tal como nas alegrias também não o tinha para com ele as poder partilhar. Nos reveses, cerrava os dentes e aguentava estoicamente e os seus sucessos “festejava-os” sozinho e o seu orgulho interior, pelos seus feitos, quase que lhe rebentavam o peito de alegria e dor em simultâneo.

Por vezes e no silêncio da sua vida, dava consigo a chorar e a “falar” com o pai: “Pai, fazes-me tanta falta”. “Custa tanto lutar sozinho, e não te ter ao meu lado para me ajudares, mas também para veres que eu estou a concretizar o teu conselho”.

Depois, dizia ainda, para consigo: “Um pai como tu foste, só pode estar num local de onde consegues ver-me e sentirás orgulho neste teu filho a quem tu quiseste transmitir o teu desejo de pai, quando te apercebeste que o teu papel não duraria muito mais tempo”. “Foi essa a única mas a mais importante herança que me deixaste, mas gostaria que estivesses cá, neste mundo, para partilhar contigo os valores e as referências que, mesmo ausente, me foste “transmitindo” durante todos estes anos”.

É verdade que os valores sociais e humanos foram-se alterando e, no nosso país, o 25 de Abril” deu um forte empurrão na mudança daquela sociedade que, apesar de tudo, defendia outros valores e referências e, por isso, muitos pais e filhos de hoje já não pensam como as duas personagens da história atrás.

Os pais de hoje, muitos deles “pais faz de conta”, não sabem desempenhar o seu papel e saborear a enorme alegria e realização que é ser pai, mas ser pai na plenitude e durante uma vida inteira.

Os filhos, fruto por vezes dessa inabilidade paternal, também eles não sabem ou não querem saborear, igualmente por uma vida inteira, a enorme alegria de ter um pai, porque a melhor herança que poderemos receber dos nossos pais não são os bens materiais, mas sim todo um conjunto de referências, valores humanos, etc., e isso não se deixa num baú mas transmite-se desde o berço, mesmo que seja um berço de palha, através da educação, da formação e do amor que se dá.

Contudo, esta troca e esta partilha deve ser feita durante toda a nossa vida e por isso, apetece-me ainda dizer, hoje mesmo e sempre: “Pai, fazes-me falta”, mas também dizer, permanentemente, a cada um dos meus filhos: “Filho, fazes-me falta”. Não devemos, contudo, deixar isto (o fazer e o dizer) para amanhã, porque poderá ser demasiado tarde, para ambos.

Estes são gestos de toda uma vida, para que possamos poder fazer o balanço e questionarmo-nos sobre o legado que deixamos aos nossos filhos e que retribuição recebemos deles.

Hoje, os perigos e outros males são muitos (a droga, a sida, os divórcios, a violência infantil, a pedofilia, etc.) e “abanam” a família e, como consequência, muitas das crianças e jovens sentirão a mesma tristeza que o José, menino feito homem prematuramente, da história atrás.

Também eles poderão ouvir, do pai “ausente”, o mesmo conselho que o José ouvia do seu pai, mas na hora da despedida, das visitas quinzenais, também os seus olhos ficarão húmidos. Contudo e na incompreensão do porquê de não ter o pai junto dele e partilhar com ele a sua vida, estará desejoso que a “visita”, passada num qualquer jardim ou centro comercial, acabe rapidamente, para correr para casa e refugiar-se no quarto, por vezes encharcado de brinquedos e outros presentes, e poder gritar bem alto, sem que o pai o possa ouvir: “Pai, fazes-me tanta falta”. No meio de tantos “mimos” materiais, falta-lhe, contudo, um dos melhores bens, o Pai, e terá, por isso, que aprender sozinho a brincar e a fazer-se homem, se tiver a força e a coragem que o José teve, há muitos anos atrás.

Neste dia do pai, que se repete em cada ano, vale a pena pensarmos nisto.

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Serafim Marques, Economista, in: “Crónicas de Lisboa”



publicado por circular às 02:44
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